terça-feira, 12 de julho de 2011

Na sala


“Ah, quando ela disse que ia pra Brasília foi tranquilo. Confiávamos um no outro, era uma oportunidade única. Pra falar a verdade, na época só pensei nela, eu acho. Independente do que isso fosse mudar na nossa dinâmica, ia ser bom pra carreira dela. E daí, né? Sem pieguice mesmo... E deu tudo certo. Quando ela voltou, a gente se casou. Não, na verdade, foi bem depois de uns três anos. Não posso nem te contar do tamanho da minha felicidade. Daí foi aquilo: dificuldades, morando num aperto, tentando focar no futuro, priorizar isso ou aquilo e partir pra cima; olhando sempre em frente. Ela engravidou, já estávamos bem melhor, já na casa quase pronta, do jeito que ela queria. Ela engravidou e foi quando começou a sumir.”

“Fui me sentindo cada vez mais só sem perceber, porque tudo era muito: quarto do bebê, acabamento da casa, compra dos móveis, trabalho, pós, e ainda tinha que lidar com o pai dela no meu pé, querendo comandar tudo. Sério, a cada cinco minutos do dia ele me ligava pra falar da obra, pra me cobrar isso ou aquilo. Me cobrava até sobre as funções de marido. Sei lá, acho que ele não tinha esse direito de interferir. Quanto a ela, penso que não sentia nada, ia ficando calada, ia me olhando menos nos olhos, fugindo dos planos, ficando em dúvida; já não sabia mais quem era junto de mim, parecia fingir a intimidade - totalmente desconfortável. Primeiro achei que fosse depressão pela gravidez, até porque minha mãe teve isso durante toda a gestação da minha irmã, mas não, não era depressão. Era solidão mesmo.”

“Assim que o Felipe nasceu, ela foi embora. E o tempo passou. Meu sogro nunca mais me ligou. Isso me arrasou legal e, apesar de tudo, não sentia raiva nem nada. Não sei por que deveria sentir raiva de qualquer maneira. Só queria mover pra frente os nossos planos, queria fazer tudo o que antes ela quis junto comigo. E fui vivendo. Esperando que minhas conquistas a trouxessem de volta. Ela me queria longe e estava, mas eu ficava sempre esperando que decidisse estar perto de novo. Não nos víamos nunca, já que minha sogra trazia o Felipe nos finais de semana. No inicio ela me ligava de madrugada e ficava chorando do outro lado da linha. Eu esperava ela acabar fazendo Shhhhh Shhhhh com a boca pra acalmá-la. Agora, ela mudou de número. Você ainda fala com ela?”

“Ontem senti vontade de me matar, por isso vim aqui. Acho que só o senhor pode me ajudar. Tinha que falar pra alguém da minha espera. Às vezes acho que não vai dar, mas sigo em frente. Não posso deixa-la sozinha, quero dizer: deixa-los sozinhos. Me matar seria um egoísmo sem cabimento, me entende? Antes eu nem queria saber de ajuda, mas agora percebo que tenho que ter um porto também. Sabe, a gente tem que estar lá pra alguém mesmo sabendo que nem sempre vai ser recíproco. Eu penso que sou uma costa, um litoral, só isso, só esse pedacinho mesmo, enquanto ela é uma ilha inteira. Ela tem várias saídas e eu só tenho uma. Ela foge quando quer porque de longe consegue se ver de qualquer ângulo. Eu só tenho a opção de esperar porque tenho medo de não saber o caminho de volta. Isso faz sentido? Pode parecer injusto, mas só penso ser justo fazer aquilo que meu coração diz.”

No dia seguinte, ele precisou urgentemente ir ver o psicólogo de novo, mas se segurou, prendeu a respiração. No finzinho da tarde, recebeu uma ligação da esposa: “O Felipe piorou. Eu tô aqui no Hospital com ele. Tô desesperada, não sei o quê fazer. Não quero envolver a mamãe, ela já está cheia de problemas.” Ela deu uma pausa e chorou baixinho. “Você pode vir aqui ficar comigo? Se eu ficar sozinha, enlouqueço.” Ele chorou um pouco também e ela permaneceu no seu próprio choramingo, depois respirou fundo e percebeu alguma coisa, falando quase num sussurro assustado: “Por favor, Luís...” Ele desligou o telefone e ficou em silêncio, sem nenhum pensamento aparente. O ser triste que tinha dentro ficou forte e mais forte, lutando pra não desmoronar. Ele, em silêncio, enquanto o dia escurecia na sala. Esperando o que fazer, esperando o desejo de voltar a ser alguém.