terça-feira, 20 de novembro de 2012

Ssx


Ssx abriu a porta furiosamente. Entrou e mal me olhou. “Olá, babaca!” e me jogou o jornal na cara: “Aquele verme atacou de novo! Levanta essa buzanfa gorda daí, você tá me irritando!” Eu realmente estava acima do peso, mas só um pouquinho. Talvez mais que isso. Quando me conheceu, Ssx me disse que era o gordo mais safado que conhecera e que meus olhos eram infernais. Depois riu pra me deixar mais a vontade e me tascou um beijo, daqueles beijões de novela mesmo. Nunca ninguém tinha me beijado daquele jeito. Sabe quando você sente que a outra pessoa realmente quer te comer? Foi desse jeito que ela me beijou, pareceu eterno, gigante. Depois daquela noite e dos dias que se seguiram eu nunca mais fui o mesmo.

O negócio é o seguinte, eu terminei a faculdade há dois anos. Na verdade não terminei, larguei, mas minha mãe não sabe disso e também nunca se importou de ver um diploma desde que eu ponha comida na sua boca. E é isso que tenho feito, só que com as sobras do restaurante onde trabalho. Ela pensa que sou o nutricionista de lá e que tenho tipo uma posição de chefia. Ela já é velha coitada, foi mãe velha – 42 anos – e viúva cedo, mal conheci meu pai e nem me importo. Não é como se tivesse um trauma ou falta de figura masculina ou essas bobagens todas. Eu nunca liguei muito pra nada pra falar a verdade. Todo dia saio de casa bem cedo pra não ter que fazer café pra ninguém – além de minha mãe, meu tio também mora aqui. É um velho de setenta e poucos anos chato pra caralho. Acordava todo dia às sete e sentava na minha cama esperando eu acordar pra me mandar comprar pão e cigarro. Velho chato da porra. Passei a sair de casa às seis e ficar zanzando por aí. Criei o hábito do cigarro também. Fumo e bebo café toda manhã. Depois vou pro restaurante e começo o trabalho na cozinha. Lá é quente pra burro, nem vale a pena fingir que não. Aí teve esse dia que conheci Ssx.

Saí do restaurante duas da manhã, por aí, era sexta-feira e fui com uns parceiros pruma festinha privê, se é que me entende. Os caras queriam que pegasse uma gostosa, cismaram que eu era virgem. E nem era verdade, mas era quase isso mesmo. Pô, fiquei com uma garota pela primeira vez com dezessete anos e foi um custo danado, mas ela era tão esquisita na cama que te juro que nem sei a aparência da sua vagina, muito menos o cheiro. Meu pau era guiado pela mão da louca até a vagina e, mal entrava, ela tirava e só depois de um tempão botava de novo. Um absurdo, mal dava pra gozar direito. Depois dela não tive mais ninguém. Engordei e tal e ninguém quer um gordinho espinhento do lado. Sou todo oleoso e o trabalho na cozinha só faz piorar. Sacanagem da porra. Então na festinha dos amigos do restaurante tinha umas sete putas. Eu não curto essa parada não e nem é por moralismo ou arrogância, tenho medo é de pegar doença. Porra, essas loucas transam até com javali se pagar bem. A Ssx sobrou – meus amigos eram muito bestas mesmo; ela nem era feia. Tinha um par de pernas finas e seios lotados de silicone. Era alta em comparação com as outras gostosonas. Tinha cabelos longos, bem pretinhos e olhos verdes. Todas estavam mascaradas, bem cafonas, de lingeries e tudo, mas bem filme pornô sabe? Dizendo coisas do tipo: “Deixa eu ver esse cacetão gostoso!” ou “Nossa, como você é gostoso, minha xota já tá toda molhadinha.” Mas Ssx permaneceu quieta o tempo todo. Sorria vez ou outra sem abrir muito a boca ou mostrar os dentes. Parecia realmente infeliz. Sobramos os dois e uma mulher totalmente vulgar, dançando nua e loucamente como se tivesse plateia atenta. Ssx se aproximou e tirou a máscara, tinha um rostinho de dezessete anos. Fiquei com dó dela. Me pediu uma cerveja e nem me deu bola. Perguntei se era adolescente e ela me mandou me foder. Ri de verdade e ela também. Depois me olhou de cima a baixo e disse que tava acima do peso: “Você tá muito gordo, devia correr de vez em quando!” e me beijou. Simples assim.

Nunca pensei que fosse me sentir tão em casa dentro de uma vagina. Não sabia como fazer, enfiava o rosto todo lá dentro, ou pelo menos tentava. Ela ria e me ensinava: “Seu besta, usa essa língua, pode sugar, às vezes as garotas gostam de uma mordidinha de leve.” E ria: “É o que me dizem.” Ah, ela era lésbica e depois de me beijar disse que eu tinha uma alma feminina. Adoro sentir as carninhas se desdobrando na minha boca como se me amassem de volta. Tinha cheiro de dermacyd e gosto de bala. Acho que ela nem sentia prazer, apenas se divertia às minhas custas. E como ria! Gargalhava! Mas aí gemia e eu gozava só de ouvir seus gritos. Gritos não altos, sussurrados e educados. Não era nem um escândalo. Era como se me dissessem pra ficar à vontade. Meu coração se aquecia e sentia pura felicidade. E ela acariciava meus cabelos. Na nossa segunda vez, não sei o que me deu, mas quando ela gozou beijei sua virilha e me emocionei. Quando me viu, ficou séria de repente e seus olhos ficaram cheios d’água. Foi nossa primeira noite abraçados até de manhã. Ela me sussurrou antes de dormir: “Tenho dezenove anos.”

Depois de passar dois dias dormindo no meu quarto (dormia de oito da manhã até cinco da tarde e depois dizia que ia trabalhar, o que achei estranho porque não tinha cara de puta de rua) ela sumiu por três dias, sem deixar número de telefone ou um recado que fosse. E levou minhas chaves. No sábado, acordei tarde e minha mãe surpreendentemente tinha feito café: “Onde tá aquela sua namoradinha?” Me fiz de desentendido e perguntei por meu tio. “Ele saiu, foi jogar carteado, eu acho. Mas me conta, aquela guria é do seu trabalho ou da faculdade. Tem mais cara de ser da faculdade. Uma graça ela.” Concordei e acendi um cigarro. Ela chiou. Foi aí que Ssx entrou na cozinha do nada, dizendo bom dia. Derramei café na roupa e ri de nervoso. Minha mãe tentou dar uma ajeitada na aparência, dando uns tapinhas no cabelo. (Não adiantaram muito, mamãe tinha uma juba pelas manhãs).

“Encontrei um ótimo apê pra gente! Fica a dois quarteirões daqui. Bora ver?” Ela estava deslumbrante de vestido e sandálias. Cabelos soltos e olhos vivos. Nunca a tinha visto daquele jeito. Brilhava de verdade.

Era um apartamento pequeno, sala e cozinha no mesmo lugar e um banheiro todo quebrado, mas o quarto estava maravilhosamente decorado. Paredes amarelas num tom bem leve, uma cama king size com lençóis floridos cheirando a lavados e um quadro acima da cabeceira: um barco à vela perdido num oceano de águas turvas. Era assustador e bonito ao mesmo tempo. Ssx me olhou excitada e disse: “Você tem olhos realmente infernais, sabia? Do tipo que deixam a gente emocionalmente frágil.” E envolveu seus braços no meu corpo, suspirando no meu cangote. “Minha vagina fica molhada só de te ver, seu safado.” Trepamos então pela primeira vez na casa nova. No dia seguinte todas minhas coisas já estavam lá e me vi cozinhando pra ela enquanto cantávamos junto do rádio. De repente Nelson Gonçalves começou a cantar “Naquela Mesa” e ela parou de cortar legumes. Aumentou o volume e começou a dançar de olhos fechados. E cantava baixinho também. Abaixei o fogo da panela e fiquei com os olhos no seu corpo. Mesmo sensual, mesmo com as mãos marcando o corpo, seus passos pareciam inconsoláveis. Quando terminou a música ela se sentou no sofá e começou a chorar de soluçar. Tentei acalma-la, mas me rejeitou. Foi pro banheiro, tomou um banho de meia hora e voltou. Se sentou na mesa e comeu, dizendo: “Hum, isso aqui tá ótimo.” Sugiro que ouça a música, realmente dá vontade de chorar, mas choro comum. O dela me pareceu extremamente específico.

Depois de um mês juntos, ela começou a mudar. Foi falando mais e mais e reclamando de tudo e mordendo mais e mais meu pau sem motivo; por maldade mesmo. Eu chiava, pedia pra ela parar e ia pro banheiro me aliviar sozinho. Não sabia que porra tava acontecendo. Ela começou a acompanhar uma série de crimes contra prostitutas noticiados no jornal da tarde na tv. E passou a comprar o jornal e se esquecer do pão. À noite, gemia com dor e não prazer. De manhã, ao invés de sorrir e dizer que estava tendo os melhores dias da sua vida, como costumava fazer, dizia coisas do tipo “Esse mundo é realmente uma desgraça, olha eu aqui fingindo que minha vida tá perfeita com um babaca sem futuro.” E quando eu tentava beijar seu pescoço – o que antes a fazia rir – ela virava o rosto e me afastava. Perguntava por que ela não sorria mais e ela respondia: “Como quer que eu sorria quando mulheres da minha classe estão sendo covardemente assassinadas?” E me olhava com raiva: “Amanhã pode ser eu sabia?” E corria pro banheiro. Dava pra ouvir da cama seus soluços altos. Estava perdido, completamente perdido.

Segui minha vida, continuei indo pro trabalho e encontrando com ela só nos finais de semana até o entardecer e nos dias de semana pela manhã. Mas sua presença estava me matando, como se comesse todo dia um pouco mais da minha vida. Passei a evitar dormir no apartamento e ia pra casa da minha mãe depois do trabalho. Sábado, quando voltei pro apê, ela mal me olhou, parecia que nem notava, ou se importava mais com minha ausência. “Onde esteve, seu trouxa?”, dizia sem tirar os olhos dos jornais (uma pilha já havia se formado num canto da sala; ela não os jogava fora). “Olha aí o retrato falado do covarde!” E mostrou a foto o estuprador assassino. Depois esquentou o que tinha de resto de comida e jogou na mesa, apontando pra que eu comesse porque ela tinha que ir trabalhar. Ignorei a gororoba e me sentei no sofá. Não conseguia achar o que pensar, só queria me livrar daquela situação. Só queria me livrar dela. Era como se ela tivesse se apoderado de tudo que eu era e me feito acreditar piamente naquele outro ser novo e adorável que criou. E agora ela simplesmente resolveu se desfazer daquilo, como quem destrói um crochê puxando o fio. Tudo que aprendi sobre amor com ela, fui descobrindo que não era amor. Então era o quê? Parecia pesado agora. Só queria me livrar disso e tentar voltar a ser quem era antes. Peguei o jornal que me mostrara e fiquei parado ali olhando aquela foto do assassino. Fiquei vidrado. “Olhos infernais”, pensei.

Acordei assustado e suando no sofá. Tive um sonho terrível. Aquele sujeito estava perseguindo Ssx pela rua e chovia muito. As luzes dos carros passavam rápidas e o som das rodas na chuva deixava Ssx apreensiva. Depois notei que ela chorava. O cara tinha uma faca numa das mãos e se aproximava cada vez mais. De repente ela começava a correr e arrancava a roupa. E gritava: “Seu verme maldito, eu sabia que um dia ia acabar me matando!” E soluçava mais alto: “Eu confiei em você. Nunca tinha confiado num homem antes, sempre soube que não valia à pena. Mas você com esse jeito de bom moço, beijando meu corpo com carinho...” Ela falava diretamente pra mim e sua voz doía na minha cabeça. “Seu covarde!” E do nada, no sonho, eu estava dentro do apartamento, escondido atrás da geladeira e o cara do retrato falado chegava e me puxava pro sofá, onde me estuprava. Só podia sentir uma dor atroz na barriga, como se meu intestino se embolasse todo e estivesse prestes a me cagar. E Ssx estava sentada na cadeira de costas pra mim descascando batata. O sonho me deixou completamente aterrorizado. Acordei com um gosto estranho na boca. A garganta seca, os lábios grudentos. Sabe quando parece que você dormiu por um século e acorda todo amassado? Era bem isso. Deixei minhas chaves em cima da geladeira e fui embora dali pela última vez.

Ela não me ligou e dias se passaram. De certa maneira fui ficando mais atento às notícias e quando soube que o infeliz havia sido preso fiquei imensamente aliviado. O medo de dormir sozinho à noite finalmente passou. Daí pra frente, aos poucos a rotina foi inundando minhas lembranças de Ssx. Isso foi bem até um determinado dia. Estava dormindo, era domingo de manhã e minha mãe me acordou assustada: “É a sua namorada no telefone.” Os olhos de surpresa da minha mãe foram a última coisa que vi antes de ouvir aquela voz que me levou pra fora de toda realidade que já tinha conseguido construir até aquele dia da minha vida. “Alô?”, disse, ainda sonolento.

“Desculpa estar te ligando tão cedo num domingo. Sei que trabalha, mas essa talvez seja minha última chance de falar com você. Bem, estou indo embora do Brasil. É uma coisa que sempre tive vontade de fazer, mas sempre tive medo. Mas agora que vi que nesse país também tem o tipo estuprador covarde, não tem porque temer o que quer que seja. Vou ser puta na Europa. Olha, sei que você deve ter ficado confuso com tudo que rolou, mas é assim que sou. Desde do início te disse que não curtia homens e mesmo assim você insistiu. Você foi um amor, acho que foi o único homem que realmente achei que poderia amar. Mas não deu. Quando vi o que vocês são capazes de fazer com garotas como eu, tive nojo de você. Nojo de quando sua língua tocava minha buceta. Nojo de seus beijinhos no meu pescoço. Nojo do seu pau pegajoso. Só conseguia imaginar que você ia me enfiar uma faca e me abandonar pra morrer sozinha, sem nem avisar minha mãe do meu paradeiro. Nunca te falei da minha mãe, né?” ela riu. “Pois é, e nem importa muito, eles são do interior e não quero mais contato com uma mulher que se sujeita a um velho que não a respeita, que a olha como quem tivesse num degrau acima, olhando do céu. Sujeito porco aquele velho. E ainda foi embora. E ainda nos abandonou. E depois voltou igualzinho, sem mudar um fio de cabelo. E tudo ficou na mesma. Eu não. Você me conhece, sou puta na cidade grande. E uma puta bem ralé, que cobra cinquenta a hora. Gostaria que ele me visse agora, seria engraçado. Tremendamente engraçado.” Ela riu pela segunda vez; foi triste dessa vez. “Mas não quero ver minha mãe sofrer. Se ela soubesse ia sofrer e ia se culpar. Que mania é essa nossa, hein? Nossa vagina não nasceu pra acomodar toda culpa do mundo não! Você nem vai acreditar, mas depois que você começou a sumir e me sentia tão só que comecei a fumar também. Seu traste, ainda me passou seu vício. Mas como isso é normal na Europa, eu te perdoo. Você tá tão quieto...” Pausa. “Aliás, você sempre foi quieto né? Cara, se você fosse mulher, não ia me escapar. Ia te levar junto comigo. E ia se chamar Celina e íamos adotar uma menininha de quatro anos e fazer amor toda noite. E ia saber chupar direito.” Riu discretamente. “Uma pena a gente não ter dado certo. De coração, espero que seja feliz e faça alguém feliz. E se tiver uma filha, não deixa ela ser puta não, tá? E respeita a intimidade dela. Ah, mas isso não quer dizer que não vá dar muito carinho. Ela vai precisar de muito amor, ok?” Outra pausa, mais longa. “Bem, é isso. Me desculpa qualquer coisa. A gente se vê qualquer dia. Beijo.” E piiiiiiiiiiiiiii. Desligou.

Virei pro lado e dormi. Sonhei que a conhecia de novo. E tudo acontecia de novo. Me apaixonava de novo e destruía esse amor uma vez mais. E ela sumia. E depois me ligava e eu sonhava com a coisa toda outra vez.

Quando acordei já era quase segunda.