sábado, 20 de fevereiro de 2016

Via whatsapp


Oie
Olar
Tudo bem?
Sim e tu?
Tranquilo
Vi dois pombos brigando hoje.
Uau.
Eles bicavam os olhos um do outro. Crueldade pura.
Puta merda!
Tentei tirar foto, mas não consegui.
Ué, por que?
Porque tinham pessoas na rua.
E daí?
E daí que podiam querer meu celular.
Roubar?
É.
Ué.
Pois é.
Menino, deixa eu te contar.
Hum?
Fui na casa de uma menina ontem que era idêntica a sua irmã.
Nossa!
Ela faz crochê e trabalha num salão de cabeleireiro.
É a mesma pessoa.
E é de câncer.
Não pode ser. Minha nossa!
Né?
Doppelganger.
Mas então, ela é filha única.
Eita.
É.
Um instante.
Ok.
...
Que houve?
Minha gata ficou presa no ralo da área.
Que lerda!
Né?
Mas tadinha também. :/ Como isso aconteceu?
Colocamos veneno no ralo pra acabar com as baratas.
Ahhhhh. E a gata?
Não sei. Espero que sobreviva... :(
Meu deus... Que triste.
É.
Que merda.
E eu que só existo nessa dimensão?
Não se sabe ainda.
É.
Que vai fazer mais tarde?
Dormir. E tu?
Ainda não sei.
Quais as opções?
Jogar Assassin's creed, fumar ou dormir também.
Melhor dormir.
Não tenho conseguido.
Uai? E quer?
Quero.
Então deita e fecha os olhos.
Ok. E depois?
Depois vai esquecendo.
Hum.
Vai deletando o dia, imagem por imagem, som por som, palavra por palavra.
É, só tenho digitado.
Então: palavra por palavra.
E aí?
E aí apaga.
É isso?
É.
Só?
Só.
E tô dormindo?
Está.
Ok.
Disponha.
Obrigado.
Disponha.
Té té.
Valeu, falou.

Na tarde de terça-feira, uma mulher empurrava um carrinho de supermercado com sacos de comida e coisas velhas pelas ruas calmas de um bairro domiciliar. Ela tinha uma barriga grande e redonda, como de uma grávida, mas era velha, com rosto repleto de rugas, cabelos finos e brancos e dentes faltando. Arrastava o carrinho fazendo barulho e parava de casa em casa tocando as campainhas para pedir doações. Um garoto que passeava com um labrador se dirigiu até ela perguntando se tinha uma sacola plástica para dar. O cão havia defecado na rua - ele apontou. A mulher respondeu instintivamente que não, mas depois pensou melhor e procurou em suas sacolas maiores. Encontrou um saco amarelo e entregou ao rapaz, que agradeceu com um sorriso. Ela não sorriu de volta e foi tocar a campainha de uma casa de número cento e treze. O rapaz recolheu as fezes e assobiou para o cachorro, que o seguiu. A mulher, cujo nome não se sabe, seguiu seu dia e o dia acabou nove horas depois. Esse havia sido o último dia da sua vida. À noite, já em casa, tomava água e infartou. O carrinho estacionado ao lado do sofá de retalhos, escorando a porta de madeira velha. O barraco só não aguentava chuvas muito fortes, nos demais casos era uma benção, conforme pensava a mulher. Naquela noite não choveu e a vida de muitos se seguiu inalterada.