terça-feira, 20 de novembro de 2012

Ssx


Ssx abriu a porta furiosamente. Entrou e mal me olhou. “Olá, babaca!” e me jogou o jornal na cara: “Aquele verme atacou de novo! Levanta essa buzanfa gorda daí, você tá me irritando!” Eu realmente estava acima do peso, mas só um pouquinho. Talvez mais que isso. Quando me conheceu, Ssx me disse que era o gordo mais safado que conhecera e que meus olhos eram infernais. Depois riu pra me deixar mais a vontade e me tascou um beijo, daqueles beijões de novela mesmo. Nunca ninguém tinha me beijado daquele jeito. Sabe quando você sente que a outra pessoa realmente quer te comer? Foi desse jeito que ela me beijou, pareceu eterno, gigante. Depois daquela noite e dos dias que se seguiram eu nunca mais fui o mesmo.

O negócio é o seguinte, eu terminei a faculdade há dois anos. Na verdade não terminei, larguei, mas minha mãe não sabe disso e também nunca se importou de ver um diploma desde que eu ponha comida na sua boca. E é isso que tenho feito, só que com as sobras do restaurante onde trabalho. Ela pensa que sou o nutricionista de lá e que tenho tipo uma posição de chefia. Ela já é velha coitada, foi mãe velha – 42 anos – e viúva cedo, mal conheci meu pai e nem me importo. Não é como se tivesse um trauma ou falta de figura masculina ou essas bobagens todas. Eu nunca liguei muito pra nada pra falar a verdade. Todo dia saio de casa bem cedo pra não ter que fazer café pra ninguém – além de minha mãe, meu tio também mora aqui. É um velho de setenta e poucos anos chato pra caralho. Acordava todo dia às sete e sentava na minha cama esperando eu acordar pra me mandar comprar pão e cigarro. Velho chato da porra. Passei a sair de casa às seis e ficar zanzando por aí. Criei o hábito do cigarro também. Fumo e bebo café toda manhã. Depois vou pro restaurante e começo o trabalho na cozinha. Lá é quente pra burro, nem vale a pena fingir que não. Aí teve esse dia que conheci Ssx.

Saí do restaurante duas da manhã, por aí, era sexta-feira e fui com uns parceiros pruma festinha privê, se é que me entende. Os caras queriam que pegasse uma gostosa, cismaram que eu era virgem. E nem era verdade, mas era quase isso mesmo. Pô, fiquei com uma garota pela primeira vez com dezessete anos e foi um custo danado, mas ela era tão esquisita na cama que te juro que nem sei a aparência da sua vagina, muito menos o cheiro. Meu pau era guiado pela mão da louca até a vagina e, mal entrava, ela tirava e só depois de um tempão botava de novo. Um absurdo, mal dava pra gozar direito. Depois dela não tive mais ninguém. Engordei e tal e ninguém quer um gordinho espinhento do lado. Sou todo oleoso e o trabalho na cozinha só faz piorar. Sacanagem da porra. Então na festinha dos amigos do restaurante tinha umas sete putas. Eu não curto essa parada não e nem é por moralismo ou arrogância, tenho medo é de pegar doença. Porra, essas loucas transam até com javali se pagar bem. A Ssx sobrou – meus amigos eram muito bestas mesmo; ela nem era feia. Tinha um par de pernas finas e seios lotados de silicone. Era alta em comparação com as outras gostosonas. Tinha cabelos longos, bem pretinhos e olhos verdes. Todas estavam mascaradas, bem cafonas, de lingeries e tudo, mas bem filme pornô sabe? Dizendo coisas do tipo: “Deixa eu ver esse cacetão gostoso!” ou “Nossa, como você é gostoso, minha xota já tá toda molhadinha.” Mas Ssx permaneceu quieta o tempo todo. Sorria vez ou outra sem abrir muito a boca ou mostrar os dentes. Parecia realmente infeliz. Sobramos os dois e uma mulher totalmente vulgar, dançando nua e loucamente como se tivesse plateia atenta. Ssx se aproximou e tirou a máscara, tinha um rostinho de dezessete anos. Fiquei com dó dela. Me pediu uma cerveja e nem me deu bola. Perguntei se era adolescente e ela me mandou me foder. Ri de verdade e ela também. Depois me olhou de cima a baixo e disse que tava acima do peso: “Você tá muito gordo, devia correr de vez em quando!” e me beijou. Simples assim.

Nunca pensei que fosse me sentir tão em casa dentro de uma vagina. Não sabia como fazer, enfiava o rosto todo lá dentro, ou pelo menos tentava. Ela ria e me ensinava: “Seu besta, usa essa língua, pode sugar, às vezes as garotas gostam de uma mordidinha de leve.” E ria: “É o que me dizem.” Ah, ela era lésbica e depois de me beijar disse que eu tinha uma alma feminina. Adoro sentir as carninhas se desdobrando na minha boca como se me amassem de volta. Tinha cheiro de dermacyd e gosto de bala. Acho que ela nem sentia prazer, apenas se divertia às minhas custas. E como ria! Gargalhava! Mas aí gemia e eu gozava só de ouvir seus gritos. Gritos não altos, sussurrados e educados. Não era nem um escândalo. Era como se me dissessem pra ficar à vontade. Meu coração se aquecia e sentia pura felicidade. E ela acariciava meus cabelos. Na nossa segunda vez, não sei o que me deu, mas quando ela gozou beijei sua virilha e me emocionei. Quando me viu, ficou séria de repente e seus olhos ficaram cheios d’água. Foi nossa primeira noite abraçados até de manhã. Ela me sussurrou antes de dormir: “Tenho dezenove anos.”

Depois de passar dois dias dormindo no meu quarto (dormia de oito da manhã até cinco da tarde e depois dizia que ia trabalhar, o que achei estranho porque não tinha cara de puta de rua) ela sumiu por três dias, sem deixar número de telefone ou um recado que fosse. E levou minhas chaves. No sábado, acordei tarde e minha mãe surpreendentemente tinha feito café: “Onde tá aquela sua namoradinha?” Me fiz de desentendido e perguntei por meu tio. “Ele saiu, foi jogar carteado, eu acho. Mas me conta, aquela guria é do seu trabalho ou da faculdade. Tem mais cara de ser da faculdade. Uma graça ela.” Concordei e acendi um cigarro. Ela chiou. Foi aí que Ssx entrou na cozinha do nada, dizendo bom dia. Derramei café na roupa e ri de nervoso. Minha mãe tentou dar uma ajeitada na aparência, dando uns tapinhas no cabelo. (Não adiantaram muito, mamãe tinha uma juba pelas manhãs).

“Encontrei um ótimo apê pra gente! Fica a dois quarteirões daqui. Bora ver?” Ela estava deslumbrante de vestido e sandálias. Cabelos soltos e olhos vivos. Nunca a tinha visto daquele jeito. Brilhava de verdade.

Era um apartamento pequeno, sala e cozinha no mesmo lugar e um banheiro todo quebrado, mas o quarto estava maravilhosamente decorado. Paredes amarelas num tom bem leve, uma cama king size com lençóis floridos cheirando a lavados e um quadro acima da cabeceira: um barco à vela perdido num oceano de águas turvas. Era assustador e bonito ao mesmo tempo. Ssx me olhou excitada e disse: “Você tem olhos realmente infernais, sabia? Do tipo que deixam a gente emocionalmente frágil.” E envolveu seus braços no meu corpo, suspirando no meu cangote. “Minha vagina fica molhada só de te ver, seu safado.” Trepamos então pela primeira vez na casa nova. No dia seguinte todas minhas coisas já estavam lá e me vi cozinhando pra ela enquanto cantávamos junto do rádio. De repente Nelson Gonçalves começou a cantar “Naquela Mesa” e ela parou de cortar legumes. Aumentou o volume e começou a dançar de olhos fechados. E cantava baixinho também. Abaixei o fogo da panela e fiquei com os olhos no seu corpo. Mesmo sensual, mesmo com as mãos marcando o corpo, seus passos pareciam inconsoláveis. Quando terminou a música ela se sentou no sofá e começou a chorar de soluçar. Tentei acalma-la, mas me rejeitou. Foi pro banheiro, tomou um banho de meia hora e voltou. Se sentou na mesa e comeu, dizendo: “Hum, isso aqui tá ótimo.” Sugiro que ouça a música, realmente dá vontade de chorar, mas choro comum. O dela me pareceu extremamente específico.

Depois de um mês juntos, ela começou a mudar. Foi falando mais e mais e reclamando de tudo e mordendo mais e mais meu pau sem motivo; por maldade mesmo. Eu chiava, pedia pra ela parar e ia pro banheiro me aliviar sozinho. Não sabia que porra tava acontecendo. Ela começou a acompanhar uma série de crimes contra prostitutas noticiados no jornal da tarde na tv. E passou a comprar o jornal e se esquecer do pão. À noite, gemia com dor e não prazer. De manhã, ao invés de sorrir e dizer que estava tendo os melhores dias da sua vida, como costumava fazer, dizia coisas do tipo “Esse mundo é realmente uma desgraça, olha eu aqui fingindo que minha vida tá perfeita com um babaca sem futuro.” E quando eu tentava beijar seu pescoço – o que antes a fazia rir – ela virava o rosto e me afastava. Perguntava por que ela não sorria mais e ela respondia: “Como quer que eu sorria quando mulheres da minha classe estão sendo covardemente assassinadas?” E me olhava com raiva: “Amanhã pode ser eu sabia?” E corria pro banheiro. Dava pra ouvir da cama seus soluços altos. Estava perdido, completamente perdido.

Segui minha vida, continuei indo pro trabalho e encontrando com ela só nos finais de semana até o entardecer e nos dias de semana pela manhã. Mas sua presença estava me matando, como se comesse todo dia um pouco mais da minha vida. Passei a evitar dormir no apartamento e ia pra casa da minha mãe depois do trabalho. Sábado, quando voltei pro apê, ela mal me olhou, parecia que nem notava, ou se importava mais com minha ausência. “Onde esteve, seu trouxa?”, dizia sem tirar os olhos dos jornais (uma pilha já havia se formado num canto da sala; ela não os jogava fora). “Olha aí o retrato falado do covarde!” E mostrou a foto o estuprador assassino. Depois esquentou o que tinha de resto de comida e jogou na mesa, apontando pra que eu comesse porque ela tinha que ir trabalhar. Ignorei a gororoba e me sentei no sofá. Não conseguia achar o que pensar, só queria me livrar daquela situação. Só queria me livrar dela. Era como se ela tivesse se apoderado de tudo que eu era e me feito acreditar piamente naquele outro ser novo e adorável que criou. E agora ela simplesmente resolveu se desfazer daquilo, como quem destrói um crochê puxando o fio. Tudo que aprendi sobre amor com ela, fui descobrindo que não era amor. Então era o quê? Parecia pesado agora. Só queria me livrar disso e tentar voltar a ser quem era antes. Peguei o jornal que me mostrara e fiquei parado ali olhando aquela foto do assassino. Fiquei vidrado. “Olhos infernais”, pensei.

Acordei assustado e suando no sofá. Tive um sonho terrível. Aquele sujeito estava perseguindo Ssx pela rua e chovia muito. As luzes dos carros passavam rápidas e o som das rodas na chuva deixava Ssx apreensiva. Depois notei que ela chorava. O cara tinha uma faca numa das mãos e se aproximava cada vez mais. De repente ela começava a correr e arrancava a roupa. E gritava: “Seu verme maldito, eu sabia que um dia ia acabar me matando!” E soluçava mais alto: “Eu confiei em você. Nunca tinha confiado num homem antes, sempre soube que não valia à pena. Mas você com esse jeito de bom moço, beijando meu corpo com carinho...” Ela falava diretamente pra mim e sua voz doía na minha cabeça. “Seu covarde!” E do nada, no sonho, eu estava dentro do apartamento, escondido atrás da geladeira e o cara do retrato falado chegava e me puxava pro sofá, onde me estuprava. Só podia sentir uma dor atroz na barriga, como se meu intestino se embolasse todo e estivesse prestes a me cagar. E Ssx estava sentada na cadeira de costas pra mim descascando batata. O sonho me deixou completamente aterrorizado. Acordei com um gosto estranho na boca. A garganta seca, os lábios grudentos. Sabe quando parece que você dormiu por um século e acorda todo amassado? Era bem isso. Deixei minhas chaves em cima da geladeira e fui embora dali pela última vez.

Ela não me ligou e dias se passaram. De certa maneira fui ficando mais atento às notícias e quando soube que o infeliz havia sido preso fiquei imensamente aliviado. O medo de dormir sozinho à noite finalmente passou. Daí pra frente, aos poucos a rotina foi inundando minhas lembranças de Ssx. Isso foi bem até um determinado dia. Estava dormindo, era domingo de manhã e minha mãe me acordou assustada: “É a sua namorada no telefone.” Os olhos de surpresa da minha mãe foram a última coisa que vi antes de ouvir aquela voz que me levou pra fora de toda realidade que já tinha conseguido construir até aquele dia da minha vida. “Alô?”, disse, ainda sonolento.

“Desculpa estar te ligando tão cedo num domingo. Sei que trabalha, mas essa talvez seja minha última chance de falar com você. Bem, estou indo embora do Brasil. É uma coisa que sempre tive vontade de fazer, mas sempre tive medo. Mas agora que vi que nesse país também tem o tipo estuprador covarde, não tem porque temer o que quer que seja. Vou ser puta na Europa. Olha, sei que você deve ter ficado confuso com tudo que rolou, mas é assim que sou. Desde do início te disse que não curtia homens e mesmo assim você insistiu. Você foi um amor, acho que foi o único homem que realmente achei que poderia amar. Mas não deu. Quando vi o que vocês são capazes de fazer com garotas como eu, tive nojo de você. Nojo de quando sua língua tocava minha buceta. Nojo de seus beijinhos no meu pescoço. Nojo do seu pau pegajoso. Só conseguia imaginar que você ia me enfiar uma faca e me abandonar pra morrer sozinha, sem nem avisar minha mãe do meu paradeiro. Nunca te falei da minha mãe, né?” ela riu. “Pois é, e nem importa muito, eles são do interior e não quero mais contato com uma mulher que se sujeita a um velho que não a respeita, que a olha como quem tivesse num degrau acima, olhando do céu. Sujeito porco aquele velho. E ainda foi embora. E ainda nos abandonou. E depois voltou igualzinho, sem mudar um fio de cabelo. E tudo ficou na mesma. Eu não. Você me conhece, sou puta na cidade grande. E uma puta bem ralé, que cobra cinquenta a hora. Gostaria que ele me visse agora, seria engraçado. Tremendamente engraçado.” Ela riu pela segunda vez; foi triste dessa vez. “Mas não quero ver minha mãe sofrer. Se ela soubesse ia sofrer e ia se culpar. Que mania é essa nossa, hein? Nossa vagina não nasceu pra acomodar toda culpa do mundo não! Você nem vai acreditar, mas depois que você começou a sumir e me sentia tão só que comecei a fumar também. Seu traste, ainda me passou seu vício. Mas como isso é normal na Europa, eu te perdoo. Você tá tão quieto...” Pausa. “Aliás, você sempre foi quieto né? Cara, se você fosse mulher, não ia me escapar. Ia te levar junto comigo. E ia se chamar Celina e íamos adotar uma menininha de quatro anos e fazer amor toda noite. E ia saber chupar direito.” Riu discretamente. “Uma pena a gente não ter dado certo. De coração, espero que seja feliz e faça alguém feliz. E se tiver uma filha, não deixa ela ser puta não, tá? E respeita a intimidade dela. Ah, mas isso não quer dizer que não vá dar muito carinho. Ela vai precisar de muito amor, ok?” Outra pausa, mais longa. “Bem, é isso. Me desculpa qualquer coisa. A gente se vê qualquer dia. Beijo.” E piiiiiiiiiiiiiii. Desligou.

Virei pro lado e dormi. Sonhei que a conhecia de novo. E tudo acontecia de novo. Me apaixonava de novo e destruía esse amor uma vez mais. E ela sumia. E depois me ligava e eu sonhava com a coisa toda outra vez.

Quando acordei já era quase segunda.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

O que os dedos têm a ver com as manchas?


Aconteceu. Mas não era pra ter acontecido. Aconteceu? Nesses tempos tenho estado confusa achando que confusão faz parte da minha personalidade; mas não é bem assim. Ela tocava sanfona numa banda de forró. Ela vinha do Piauí e tinha as laterais da cabeça raspadas. Ela não tinha sotaque, era universal. E não tinha franja. Não cantava, só assobiava. Desde cedo, quando descia do metrô, já assobiava e sorria. E dançava, dançou uma vez pra mim, já bêbada e molhada de chuva numa garagem abandonada. Ela era minha melhor amiga e confessou que me amava enquanto tomávamos um sorvete. Lambeu o beiço e com os olhos brilhando, sorriu e disse: “te amo!”. Mas ela era minha amiga e eu tinha namorado.

“Não posso te amar, sou hétero...” enquanto falava, minha voz foi voltando antes de ir. Tinha medo por ali. Alguém me amava. Eu já amei? Essa é uma coisa que só eu sei mesmo não sabendo. Entendia amor pelo que sentia por minha mãe ou meu pai ou minha avó. Mas não estava certo, só me deixava segura, só me deixava estável, inteira. Nunca liguei pra minha saúde, pra minha integridade ou reputação. Quando falei em sexualidade desentendi tudo. O que tinha a ver? Ela não me oferecia sexo, me oferecia amor. Fiquei confusa a partir daquele momento. E ela pegou na minha mão. Seus dedos, só nas pontinhas, estavam grudentos. E ela os alisou na minha palma sem dizer nada, sem olhar. Seu sorriso cantava uma canção. Nunca tinha reparado na sua delicadeza, coisa que até os cabelos me diziam, presos num rabo de cavalo, presilhas douradas, envelhecidas, em forma de flores, minúsculas, lindas. Seu silêncio, seu espaço deixou que caminhasse por seu rosto: pele morena de sol, bochechas cheias, covinhas alargando sorriso vez ou outra, uma pinta bem debaixo do olho esquerdo. “já terminou?” e soltou minha mão. Meus olhos encheram. No susto uma lágrima caiu. “Vamos ué!”

Tudo normal. Ela descia do metrô e eu esperava ansiosa. E sorria mais alegre que nunca. E beijava a bochecha devagarinho e com o dedão limpava o batom e nossos olhos se encontravam. Pensando nisso, já tinha sonhado que nos beijávamos e que ela tocava minha pele completamente nua, sua mão deslizava na minha barriga como se estivesse falando, eu com um nó por dentro. Olhava intrigada e apreensiva e ela sugava meus lábios mais uma vez. Achava normal esse tipo de coisa. Todo mundo sonha. Tem gente que sonha coisas eróticas com irmãos ou mesmo pais. São nossas pequenas insanidades mágicas. Mas isso foi aumentando em frequência desde que ela me disse “te amo!”. Odiava meu namorado, sempre odiei e dizia isso pra ela antes de tudo. Mas isso é normal também. Ele era chato, só pensava em transar, vivia falando da porcaria da tese em psicologia das massas e a análise do Eu, resumia o mundo em neuróticos desconhecidos e queria ficar me apertando inteira. Me sentia sufocada e ele dizia “te amo” assim solto, sem significado. Dizia “te amo” entre beijos ou quando ejaculava. Dizia “te amo” e chorava. Me apertava, me esmagava por cima e me beijava a testa e perguntava um milhão de coisas: “o que você vai fazer mesmo? Quem vai? Ele vai? Ela vai? Mas você acha que vale à pena? Te amo!” e isso também parecia uma pergunta (“te amo?”). Depois de querer se infiltrar na minha vida sem ser convidado, dava opiniões: “Acho que devia se colocar mais. Lembro, claro, você é ótima nisso, só devia praticar mais. Mesmo que você não queira, às vezes é preciso, eu também preciso. Poxa, meu amor. Você é tão linda!” Ela nunca me disse que era linda, mas quando nos olhávamos, sabia o que pensava e suas ideias de cristal eram também assobios e diziam tão mais que qualquer palavra e tocavam tão fundo e não me chateavam nem um tiquinho.

Ele veio me buscar. Estávamos no “bico de papagaio” tomando umas geladas e discutindo sobre um projeto da faculdade, nem era um projeto nosso, era do Carlos do curso de pedagogia, amigo dela. Eles se tratavam com tanto carinho, como irmãos de mãos dadas. “Oi, meu amor!” e me beijou na frente dela. De olhos abertos, a vi disfarçar coçando o nariz. Bebericou a cerveja, enxugou os lábios e me olhando pediu pro meu namorado se sentar, indo pegar uma cerveja e um copo no balcão. Meus nós me disseram pra segui-la e resolvi ir ao banheiro. Passei bem próximo e notei que não nos falávamos mais, nossos diálogos sumiram, não existia o ímpeto de informa-la sobre onde ia. “vou ao banheiro” sumira pra sempre. Ela me viu passando e sorriu. Vivíamos disso agora. Entrei na cabine e sentei no vaso de tampa fechada. Tinha cheiro de cloro e meus olhos logo se irritaram. Estava sufocada e mais uma vez sem saber se era o cloro ou minha personalidade. “te amo!” E me arrepiava. Mas que droga de confusão! Fechei os olhos porque coçavam desesperadamente. “Ju, você tá aí?”, me assustei, sua voz era de cantora, como não cantava? Como não? “Tô, entra.” Abri a cabine. “Tá louca? Aí não cabe nós duas!” e riu. Saí; ficamos frente a frente. “Nossa, seus olhos estão muito vermelhos!” ela me puxou pelo pulso até a pia e abriu a torneira. Me olhou fundo e molhou meus olhos. Depois enxugou com os dedos, os dedões apertavam meus olhos e no escuro senti queimar dos pés à cabeça. Abri os olhos como quem respira numa piscina. Fiz uma aula de natação uma vez na escola e quase morri, não tinha o que chamava de “cadência respiratória”. E mais uma vez: o cloro me queima ou são seus dedos. Abri os olhos e a olhei com raiva. “Melhorou?” Fui até a porta e fechei o pino.

Ela me olhou sem nada entender e me deixou mais nervosa. Como me engana, por que finge? “O que você quer de mim?” ela balançou a cabeça negativamente e a interrompi: “por que está fazendo isso comigo?” ela se apressou na minha direção quando comecei a chorar e me abraçou. “Essa droga de cloro!”, ri sem querer e não sabia se continuava chorando. “Por que você tá chorando, Ju?”

“Não sei. Eu não sei de mais nada.”

“Por que diz isso?”, ela foi se afastando.

“Por sua causa! É tudo culpa sua! Que droga é essa que você tá fazendo comigo?! O jeito que me olha, como me toca e... Ai meu deus, o que eu tô dizendo... Que droga é essa que você tá fazendo comigo?”

“Eu não tô fazendo nada com você...”

“Tá!” gritei, ela se encolheu. “Você tá! Não percebe? Olha como me arrepio! Eu não sei por que, mas me pego pensando em você e sonhando com você e às vezes nem é você, é um barulho na rua, um bebê no elevador, o vento que seja... Outro dia tava acendendo o fogão e a boca fez um clarão, acho que explodiu um pouquinho.”, ela riu. “Tudo é você! É sufocante, não sei mais o que pensar.”

“Você tá equivocada. Não sou eu, não fiz nada...”

“Então por que toda vez que fico alegre, penso em você e toda vez que choro, penso em você, e quando dói, você está lá e quando acordo, sua presença pesa dentro de mim? Por que você vive me roubando de mim, me desintegrando, me confundindo?”

“Eu?”

“Sim, você! Porque você diz mais que o mundo pra mim agora. Porque tô louca e você tá causando essa loucura, mas ainda assim te olhar é o único sopro de sanidade dentro da minha cabeça há dias.”

“Mas eu...”

Interrompi com palavras repetidas, mas as recolhi assim que ela ergueu a mão de súbito.

“Não me interrompe mais, sim? Deixa eu dizer o que preciso dizer!”, ela foi firme “Ju, eu não estou em lugar nenhum a não ser aqui, agora, em mim mesma. Eu não provoco nenhuma reação e não movimento seus dias. Não calo seu choro ou provoco seu sono. E não te deixo mais feliz porque estou ou não presente. É tudo você! Você não é capaz de... Não é capaz de confessar? Não posso dizer ou fazer mais nada. Não consegue se entender? Ouve só! Escolheu só me ouvir, mas quem tá gritando pra dizer alguma coisa é você.” Parou e me invadiu. “E garota, eu te amo toda vez que saio do metrô e você tá me esperando sentada do lado do ventilador, segurando o cabelo no rosto, com o livro no colo e as páginas virando apressadas demais, desobedientes.”

Ela não me olhou, desviou os olhos envergonhados.

Ela não se movimentou, coçou o nariz, disfarçando o silêncio.

E ela não disse mais nada, chorou pro lado, prendendo nos punhos uma raiva contida.

“O que você quer de mim, Ju?”, continuou sem me olhar.

Na minha cabeça: te amo, te adoro, te quero, nua, delicada, molhada, lambuzada, sorvete de casquinha, línguas, chute na bola, futebol, juiz, apito, cavalete, tinta doce, colar, nudez, seus dedos, as pontinhas no bico no meu peito, limpando o batom, assobios, pardal, miolo de pão, ainda não almocei, o que dizer?, te amo, o que dizer?, vai embora daqui, vou sumir, vou largar a faculdade, camisa de botão listrada, mancha de mostarda, beijo estalado na bochecha, sirene de ambulância lá fora, ela estática, volta a me olhar!, volta a me olhar!, ela me odeia, eu a odeio, me ama!, me ama!, me ama!, minha mãe volta na quinta, ele deve estar preocupado, meus olhos estão coçando de novo, me tira daqui!, tô sufocando, dor de cabeça, tenho dois comprimidos de dipirona no bolso.

Peguei os comprimidos do bolso, coloquei na boca e bebi a água direto da torneira. Ela tinha sumido de repente. A porta ainda estava fechada, e tinha uma pessoa parada, que agora me olhava. Ela veio na minha direção e me deu um soco na barriga. Cuspi as dipironas. Ela sussurrou no meu ouvido: “você é uma covarde!” e me deixou sozinha no banheiro com uma claridade que me assombrou profundamente. O barulho da porta rangendo me acordou. “Quero você sua boba.” Falei baixinho. Ela estava bem longe agora, no fundo da cabeça, revirada no estômago. A dor passou.

“Vamos?” falei com ele com a mão no seu ombro. E sorri retocando um quase sorriso.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

No banheiro


Intervalo entre apresentações, a música estava alta e chata quando pisei numa poça de vômito ou coisa parecida e senti vontade de mijar. Entrei no banheiro; estava silencioso, mas haviam pelo menos três cabines ocupadas. Fui pra pia, abri a torneira e bochechei água e cuspi. Tinha pedaço de carne ainda no dente – era do café da manhã. Putz, que porco; escovei os dentes mal e porcamente porque ainda eram onze da matina e os babacas chegaram pra me buscar. Olhando no espelho, reparei no estrago que era meu rosto. Não sou um cara feio, costumo atrair olhares, a própria Zeca disse que me pegava, mas essa coisa de trabalhar dois turnos seguidos por dia não tá caindo bem. Tem um buraco roxo enorme debaixo de cada olho que me dá a indesejável aparência de estar bêbado vinte quatro horas por dia, claro que se soma aí minha lerdeza natural. Mas cara, chega um momento em que não dá mais! Como quer arrumar alguém estando o trapo que está? Vinte e oito anos e nenhuma namorada, nada firme, só casinhos. Vejo a pequena do Luís e me dá maior inveja... Desde moleque quis ser pai. Mas essa vida corre que nem dá chance da gente saber onde está pisando ou mesmo lembrar onde já pisou. Olhando assim pra esse bundão na minha frente, com essas olheiras fundas e esse cabelo bagunçado, me pergunto: será a vida uma caloteira de merda que não paga a conta de luz? – eu realmente devo estar bêbado.

Entrou um casal no banheiro. Riam alto e o cara já estava com a mão na calça do outro. Quando me viram se assustaram e disfarçaram, indo pros mictórios. Como não queria atrapalhar e nem ser testemunha de profanidades, entrei numa cabine vazia e logo dei descarga porque a privada estava cheia de bosta. Abaixei a tampa e já sentado tirei o cigarro do bolso, acendendo um. Que banheiro fedido, meu deus! Com certeza tinha alguém cagando numa das cabines na maior boa vontade. Essa é uma coisa que nunca entendi: que prazer é esse de fazer suas coisas particulares em locais públicos? Os caras deviam estar se chupando lá fora, algum mané deu pra cagar despreocupadamente, e com certeza deve ter um outro filho da puta se drogando ou pior: fumando. Bando de cuzão! Eu ri um pouco alto sem querer e curti outro cigarro. Deram descarga. Mamãe apareceu do nada na minha cabeça e me mandou destrancar a porta do banheiro. Ela esmurrava a porta e eu aumentava a música no diskman. Subitamente parou e tirei os fones a tempo de ouvi-la descer as escadas pisando forte. A seguir reclamações gritadas que não pude distinguir. Recoloquei os fones quando vi que subia novamente. “Abre essa porta, seu depravado!”, socos e depois chutes que até me assustariam se tudo não fosse tão engraçado. “Ah moleque!” – qual não foi minha surpresa e iminente ataque do coração quando vi a porta cair bem na minha frente. Deixei a revista no chão e puxei a cueca pra cima com tanta ferocidade que ela acabou rasgando. Tudo que lembro depois disso era estar correndo pelado com um pano de prato, no meio do quintal, o cachorro do vizinho latindo sem parar e minha mãe com uma colher de pau me perseguindo pra me bater. Naquele dia ela soube que papai ia parar de pagar a pensão e achei que por isso queria descontar em mim. Mas o merdinha só tinha morrido. E eu que nem sabia o que era amor, senti na pele em colheradas consecutivas. Vai saber por que as pessoas não conseguem lidar com os ressentimentos e manter a sanidade ao mesmo tempo. De repente já estava no terceiro cigarro e a gritaria anunciava a entrada de outro DJ no palco lá fora. Apaguei o cigarro no chão, mas me faltou força pra abrir a porta. Fiquei ali parado, olhando, no que pareceram horas. Até que três batidinhas me acordaram e uma brecha se abriu.

“Tem gente!”, falei. Mas a pessoa do outro lado permaneceu parada. Ouvi a respiração ofegante e me assustei. Abri a porta com excesso de força e a porcaria da quina bateu na testa do homem. “Ah caramba, me desculpa!” Ajoelhei do lado do cara. Devia ter uns trinta e poucos anos. Ficou um pouco assustado de inicio, mas depois puxou uma risada eterna que me encheu o saco. Coloquei-o de pé e empurrei até a cabine onde estava antes, ele pisou no resto de cigarro e reparei que estava descalço. Como não respondia minhas perguntas e só sabia rir na minha cara, dei as costas e me dirigi à saída. “Ei!”, ele me chamou de repente. Voltei. “Abre o meu bolso e pega um saquinho que tá aqui fazendo um favor!”, primeiro pensei que não devia, mas o cara já estava tão fodido que pior não dava pra ficar. Entreguei o pó na mão dele, mas não fui embora; minha consciência pediu que o vigiasse por um tempo (como se a vigia fosse evitar alguma coisa). Ele se agachou de frente pra privada, despejou um pouco de pó e com um papel alinhou numa carreira. Enrolou o mesmo papel e sugou pelo nariz. Não dava pra ficar ali vendo um infeliz se matar. Virei de costas mais uma vez e... “Ei!”, olhei e vi seu braço estendido com o rolinho de papel: “Um presentinho.” Mais um pirado na minha vida. De onde é que saem tantos miseráveis pra me azucrinar? “Não, obrigado”, forcei um riso e acenei com a cabeça. “Tu é menor de idade?”, foi a minha vez de rir, me escapou num cuspe; gargalhei com gosto. “Tem cara de ter uns dezesseis anos... Vaza daqui moleque!” De repente o cara se zangou. Continuei achando tudo muito estúpido, mas bateu vontade de provar aquele pó. Sabe que eu nunca me droguei na vida! Quer dizer, já dei uns tecos num cigarro de maconha, mas nada além disso. De longe o espelho continuava a me mostrar um sujeito desengonçado de um metro e meio e cara amassada; solitário, com a mão estendida implorando por uma nova oferta. “Tenho vinte oito.” O cara me olhava estranho, desconfiado, com os olhos quase pulando pra fora. “Você tem cara de uns dezessete, dá pra perceber! Foi mal aí garoto, mas não rola!” Dessa vez eu realmente fiquei incomodado. “Que dezessete o que, porra!? Tenho vinte e oito!” Ele levantou, ficou mais alto como todo mundo fica quando me encara e quis me intimidar. “Deixa eu ver sua identidade então?” Por dentro, eu me consumia em risadas e por fora só ouvia o eco sério. Eram risadas fantasmas, estavam causando uma espécie de indigestão ou coisa do tipo. Via o espelho mais perto, e parecia que tudo estava paralisando. Meu reflexo implorava com o braço estendido e eu o olhava de esguelha; aquele sujeito baixinho... Não me espantava que confundissem sua idade. Por que se escondia num lugar sujo daquele? Fumando que nem um cão desde os quinze, não aguentava nem subir os dois lances de escada do prédio sem se amparar na parede, ofegante. Um merda que nem procura a mãe e que ainda por cima desligou o telefone na cara dela quando ela ligou no domingo toda cheia de saudades. Depois, fingiu que não se emocionou quando a ouviu chorar do outro lado da linha. “Aqui está: vinte e seis de fevereiro de mil novecentos e oitenta e três.” Entreguei a identidade e fiquei vigiando aquele reflexo que só fazia chegar mais perto. Puta que pariu, eu devia estar muito doido. E ainda vem a Telma com aquele papinho no carro: “ai, gente, tô indo pra Paris estudar! Te contei? Alô? Ih... Tem jeito que dormiu mal essa noite [...] Nossa, que bafo hein! Não tô aqui pra ouvir grosseria não hein! [...] Vê se se manca, cara! Ninguém aqui precisa chorar suas dores não! Essa é a graça da coisa toda! [...] Hoje eu quero comemorar! Co-me-mo-ra-ar! [...] Cara, a gente nasce sozinho e fica com essa mania de tomar o mundo pra si [...] Ninguém morre querendo levar meia dúzia de dinheiro ou diamante ou o diabo a quatro, a gente morre querendo levar o espaço que ocupa quando nasce [risadas] É! O útero da mãe, seu merda! [mais risadas] Você soube que o Tom Cruise comeu a placenta da filha [...] Sei lá de quem é. Foda-se! Cara piradaço, meu!” Será que eu tenho dezoito?

“Isso aqui é noventa e três, você não me engana não!” Ele me devolveu a carteira, que caiu da minha mão. Fiquei parado me olhando. Me perdi. Parecia que tudo girava enquanto permanecia sozinho, no meu canto, no meu buraco. Não era indigestão. Eu tinha pisado numa poça de vômito, meu vômito. E estava descalço, os pés pelados, um com uma pequena queimadura que ardia no vômito frio. Os sentidos me enganavam, queriam me prender, queriam que definhasse preso num mesmo mundo pra sempre, fumando um cigarro atrás do outro com medo de magoar minha mãe ou ouvir que meu pai tinha morrido. Com medo de transar sem camisinha e engravidar alguma desconhecida. Um temor enorme que causava arrepio da espinha até os pés pensar em vê-la perdida nos braços de outro, nunca encontrando o caminho de volta junto dos demais espermatozoides. E tudo girava. E meus pés perdiam o equilíbrio do chão, confiando no equilíbrio dos céus. “Com dezoito já respondo por meus atos!” Agachei e suguei. Passaram milênios numa ereção tântrica que só fazia deixar o pau mais mole. O sujeito na cabine alisava meu pau por cima da calça. Na minha cabeça, estava seguro, assistindo tudo numa espécie de coma. Alguém abriu a porta e um som infernal invadiu quebrando o escuro. Quebrando algo mais. “Garoto, você tá muito doido!” Ouvi de longe, bem longe, quase que no Parc de la Pépinière. Minha vista embaçada via o sangue pingar no chão. Fazia um barulhinho chato. Pingava outra coisa ali em cima dos cacos. A visão turva caiu, recobrei a sanidade. Nos pedaços que sobraram na minha frente, me vi velho de novo, com as mesmas olheiras, mas todo vermelho e uma mancha evidente na testa; a cabeça ainda doía da batida na quina. Suava que nem um condenado. Era uma boa história pra contar pra alguém. Não sabia dizer como quebrei o espelho só com um soco, mas me pareceu engraçado olhando assim de longe. Sabia que não devia ter abusado no álcool. E ainda misturei com coca que é ruim que nem diabo pra quem tem diabetes. E ainda estava trabalhando dois turnos por dia. Que merda, amanhã tenho que acordar cedo! Cadê meu celular? Ah, bosta! Abri a torneira, lavei a mão. Apenas algumas feridinhas sem graça. Empurrei os cacos com o pé pra debaixo da pia, fechei a torneira. Olhei ao redor: banheiro silencioso, ninguém nas cabines. Abri a torneira de novo, lavei o rosto, bochechei um pouco de água e esperei que a porta se abrisse. Parecia que ia abrir a qualquer momento. Meu coração batia rápido e alto: o único som do ambiente. Fechei a torneira, andei bastante receoso até a porta e parei. Doía esperar. Um... Contei. Dois... Três... Olhava a porta sem piscar, respirando ofegante do lado de dentro. Quatro... Cinco... Seis... Nada. Silêncio. Sete... Fui respirando mais devagar. Oito... A música lá fora já era mais alta que minhas batidas. Nove... Levei a mão à maçaneta e girei. Dez.