sábado, 5 de novembro de 2011

Inveja


Para irmã, ela queria dizer: "Você é tão linda, mais ainda com esses seus 15 anos!", mas não dizia porque tinha rancor. Eles iam até os seus próprios quinze anos e ela se lembrava que não fora feliz lá. Dormia todas as noites de frente para o espelho e não sabia como ainda não estava morta por ser tão velha como era.  Apenas uma bailarina desgarrada, perdida nos lençóis úmidos de suas lágrimas. E, quando a irmã entrava no quarto sem bater, ela ria de verdade e as lágrimas pareciam de alegria. É que a irmã fazia nascer nela um amor absoluto e uma vontade de se superar e ficar bem. A irmã não tinha rancores e nem apreço por todo show dos quinze anos. Ela tinha.

Só pensava em coisas absurdas. Se não estava de plano com fugas, privava-se de alimentos e fingia ter um drama a mais na vida, como se estivesse dentro de uma caixinha de música. Ela doía, e doía muito, por dentro. Quando no quarto, na intimidade cotidiana do sofrimento, imaginava todas as danças que nunca dançara e os beijos de que escapara. Sempre deitada, era como um véu sobre a irmã: também tivera 15 anos e fora feliz naquela época, apesar de (negar, afirmar, odiar, amar, lamuriar, acostumar, gritar, encostar, alugar, passar, lavar, enxugar, olhar, nadar, se jogar e voltar, reclamar). Nesse antigamente, deixava os outros à vontade para rirem em vez de chorarem e ficava mais tempo de pé. Mas, como agora é agora pouco e não há muitos anos atrás, ela era somente o pedaço fino de pano que cobria tudo o que podia ser. Leve, leve, ela era o sufoco e dormia, dormia, não fazia nada a não ser vislumbrar a beleza do que havia sido, e a irmã.

Na cama, vai chorar ainda muito, mas sem a pressa que outros carregam. Por isso, será para sempre (e o seu para sempre também existe) o que nunca foi. O lenço gigante que a cobre e a constitui, deixará cada vez mais desfocada a pele e dificultada a respiração, como quem habita  e pressente a morte. E dirá para irmã: "Você é tão linda, ainda mais com seus 70 anos!" e com um sorriso imenso: "Eu nunca fui..."

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