sábado, 5 de novembro de 2011

Vocêu


O pé esquerdo era dela e o direito era meu. Os pés não andavam descalços na presença dela, mas também não fugiam do chulé que era meu. Eu dizia: se afaste do direito quando for escolher onde pisar e ela vinha com o dedão a roçar, a roçar. Não queríamos nenhuma homenagem, só o dia de domingo numa king size onde os esquerdos conversassem e dissessem o que é do nosso coração. O outro direito, na periferia da cama, tem alguma impressão que quase sempre é certa, quase sempre é errada. Nos damos bem pelas certas e bem pelas beiradas das erradas. Quando ela diz que me ama de cara amarrada, tenho vontade de pisar com o calcanhar, que é pra machucar sem chorar, mas um pezinho toca o outro e a vergonha marca a volta da razão: percebo que o calo só faria aumentar se não respondesse “eu também te amo”. Longe um do outro, quando fazemos ginástica, nos alongamos ou fazemos piruetas, sentimos o imenso prazer de desviar a atenção por um segundo, e triunfamos nisso – crescemos – e os aplausos vêm de pé. Entendam, por favor e por nós: não somos ginastas ainda! Ela tem mais talento pra ficar sozinha do que eu, mas não consegui ainda... Afastar e difícil.

Domingo de tarde, puxo o edredom e deixo seus pés descobertos. Sem querer, beijo dedo por dedo pra tirar o frio dali, faço cócegas na sola dos 36 e recebo notas de 8 a 10 em risadas. Subindo numa massagem, sinto meu coração se acalmar, e respiro mais e mais a paz que diziam ser vazia nesses dias. Mas ela era cheia de pés! A sete pés de altitude, na cabeça, existiam vinte milhões de dedões espelhados, e pernas que pulavam pra lá e pra cá, e não paravam de brotar e reclamar e pisar duro. As frieiras, brotoejas e calos eram curados logo depois e o espaço de repente era um infinito que dava pra ver por inteiro. Ela e eu, num domingo, deitados numa king size, dormindo e acordando, rindo, nos beijando, vivendo e vivendo de tocar. Toque, toque! Quem abria era o direito acompanhado do esquerdo, às vezes o esquerdo namorando o direito, mas não fazia muita diferença porque eram belos os nossos pés. Juntos.

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